17 janeiro 2018

ESPÍRITO LIVRE, Há dois anos, a baiana de 34 anos se prepara para assumir um cargo mais inusitado!

Na infância, Nivia Luz queria ser astronauta. Depois, engenheira. Na casa da família, em Pirajá, um bairro da periferia de Salvador, ela contava os planos para a avó materna, Anisia da Rocha Pitta e Silva, conhecida por todos como Mãe Santinha de Oyá, que ria. “Todo dia eu sonhava em ser… bailarina, jornalista. Minha vó ria muito. Ela tinha um sorriso pras respostas, e às vezes aquilo me desequilibrava. Depois, fui com-preendendo que por mais que a gente corra e queira acelerar, nós somos 
moldados”, conta Nivia.
"Tem quem diga: ‘Nossa, você é muito nova para ser ialorixá’, mas para o orixá a idade não conta”, conta Nivia Luz, de 34 anosCrédito: Arquivo pessoal
Mãe Santinha morreu em maio de 2015, aos 90 anos, e Nivia foi a escolhida no jogo de búzios para assumir a liderança do Ilê Axé Oyá. “A morte de minha avó mexeu muito comigo. E, no primeiro momento, o coração borbulhou, porque é muita responsabilidade. Você passa a cuidar de pessoas, e tem que aprender a ouvir”, ela diz, sobre sua nova colocação. “Mas a gente segue, e faz o que tem que fazer. Tem quem diga: ‘Nossa, você é muito nova para ser ialorixá’, mas para o orixá a idade não conta.”

A ialorixá Nivia é o que talvez possamos entender como a liderança espiritual do futuro: feminina, delicada, inclusiva, livre de preconceitos. “Na leitura do candomblé, somos sagrados porque somos parte da natureza. E a partir do momento em que você compreende que somos parte da natureza, não há mais como ser homofóbico, racista, machista; não há mais como violar ou maltratar o outro.”
Ao mesmo tempo em que foi escolhida, porém, Nivia segue sendo as coisas que escolheu. Ela faz mestrado em cultura e sociedade na Universidade Federal da Bahia – “Às vezes as pessoas dimensionam o candomblé como espetáculo, e não como espaço sagrado onde um orixá está sendo cultuado. Por isso é preciso discutir a relação cultura-religião” – e é diretora-
adjunta do Instituto Brasileiro da Diversidade, uma organização sem fins lucrativos voltada para o combate ao racismo. “Daqui a pouco eu vou ser ialorixá, mas eu sou Nivia, uma mulher, uma mulher negra, uma intelectual – já me considero assim, estou na academia –, uma profissional. Temos que entender a importância do tempo nas nossas vidas. Tudo vai ser resolvido no momento certo.”
No candomblé, o tempo é um orixá, e, dentro de um terreiro, onipresente e onisciente. Mas aqui do lado de fora, Nivia explica, nos relacionamos mal com ele e poderíamos de fato sacar muitas coisas se o percebêssemos como algo divino, e, portanto, sem linearidade e com função de nos elevar a lugares de mais significado. As religiões de matriz africana, porém, não são levadas a sério pelo conservadorismo que nos rege, sendo marginalizadas a ponto de crimes contra terreiros e praticantes terem crescido quase 5.000% nos últimos cinco anos. Nivia desabafa: “Ouso chamar de terrorismo, mesmo sabendo que associamos terrorismo a questões internacionais, porque o que a gente tem vivido aqui – essa perversidade, essa agressividade física, moral, ética e psicológica – é, sim, terrorismo”.
Mas ela também explica que o próprio candomblé nasce de um processo violento, quando negros que cultuavam os orixás na África foram trazidos como escravos para cá. “É uma religião que nasce desse processo de resistência, que se prolonga até hoje porque a gente ainda tem casos recorrentes de intolerância.”


Fonte: https://revistatrip.uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário