13 fevereiro 2016

Mãe Menininha do Gantois – Um Símbolo do Matriarcado



122 anos do Nascimento de Mãe Menininha

Falar sobre o matriarcado no Brasil é suscitar um de seus ícones vivenciais, em específico Mãe Menininha do Terreiro do Gantois. Acerca disso, essa que passa a fazer a construção narrativa dessa redação, teve a oportunidade de conviver e assim ouvir muitas histórias sobre a mesma, além de ter o privilégio de ser portadora de uma “genética espiritual”, oriunda das práticas do Candomblé que lá se realiza. Não longe, essa carga espiritual e mesmo de uma cultura emanada da África também simboliza a continuidade de mais seis gerações, que agora pertencem à presença matriarcal que ora tive o presente de receber.
Mãe Menininha nasceu em 10 de fevereiro de 1894, na cidade de Salvador, Bahia. Ela era de origem africana, atestada por sua árvore genealógica originada por Akala (Iyá Maria Júlia da Conceição Nazareth) e Okarinde Francisco Nazareth), negros africanos da cidade de Abeokuta, localizada em terras iorubás do sudoeste nigeriano – onde se cultua Iemonjá. Destes dois africanos nasceu Iyá Pulchéria Maria da Conceição, sucedendo-a a seguir Iyá Maria da Glória Nazareth, mãe carnal de Maria Escolástica da Conceição Nazareth – Mãe Menininha do Gantois – sua herdeira no Axé e a quarta Iyalorixá do Ilê Iyá Omi Axé Iyamassê (Gantois). A quinta Iyalorixá do Terreiro foi sua filha Iyá Cleuza Millet, sucedida por sua irmã, Iyá Carmem de Oliveira, hoje na importante missão de dirigir o lendário Terreiro do Gantois.
Mãe Menininha foi um referencial de mulher negra que lutou pela sobrevivência de seu povo e ainda teve a sabedoria de criar, em um tempo muito difícil, no qual negros, principalmente homens, estavam à margem do mercado de trabalho, desgastados pelo tempo, pelas lutas e por sua situação racial, já não mais podendo ser o cerne da família. Sob esse aspecto tem-se que:
Ao homem negro, despreparado e marginalizado do processo de industrialização nascente, restam as tarefas sociais mais humilhantes e as marginalizadas. Neste contexto, a mulher negra tomará a si a responsabilidade de manter a unidade familiar, a coesão grupal e preservar as tradições culturais, particularmente as religiosas. Apesar das condições subumanas que a escravidão/”liberdade” legou à população negra, as mulheres negras lograram encontrar maiores opções de sobrevivência do que o homem negro. Elas foram para as cozinhas das patroas brancas, foram para os mercados vender quitutes, desenvolveram todas as estratégias de sobrevivência e assim criaram seus filhos carnais e seus filhos de santo. Abrigaram seus candomblés, adoraram suas divindades, cantaram, dançaram, e cozinharam para elas.¹

Ao lutar pela sobrevivência, Mãe Menininha, acaba por criar uma espécie de sistema de sustentação, a partir de 1922, quando assume a direção do Gantois. A partir da década de 1930, a perseguição aos candomblés vai perdendo força, no entanto, uma Lei de Jogos e Costumes condicionava a realização de rituais à prévia autorização policial, limitando o horário de término dos cultos às 22 horas. Mãe Menininha teve atuação fundamental nas articulações para a derrubada de tais regras inibidoras, demonstrando serem muito antigas as tradições que requeriam dedicação de significativa parcela dos afrodescendentes. Dando seqüência à sua atuação enquanto principal representante da cultura religiosa de berço africano ela foi abrindo as portas do Gantois aos brancos e católicos, postura que, até hoje, é vista com certo estranhamento inclusive por outras Casas de Culto aos Orixás². Assim, esta venerável senhora angariou simpatia de núcleos sociais importantes da sociedade, não só modernizando o Candomblé, como também criando novas possibilidades de preservação e, sobretudo, sustentação das atividades desenvolvidas no Ilê Axé como um todo.
Noutras palavras, para os seus ela foi política quando necessário, para ajudar e proteger a organização de uma Casa e de um sistema dirigido por mulheres.
Isso repercute em muito na atualidade, na qual a figura da mãe, na sociedade, ainda dirige suas vidas e a de suas famílias no exemplo brasileiro. O que ocorria no interno da Casa de Candomblé (terreiro) vinha ao externo, principalmente, porque a representatividade do matriarcado e sua experiência veio a ajustar as formas de sustentar as famílias.
Nessa ordem, o terreiro sempre foi um espaço se resistência, acolhimento, alimentação e sustento; e, mãe Menininha era um pouco de tudo isso. Dizem que ela brincava de construir bonecas em forma de Orixás com folhas de bananeiras e sementes, o que pode pressupor a auto-afirmação de suas origens, mas que resguardava também uma forma de sustentação financeira, já que poderiam ser vendidas, assim como os quitutes das filhas de santo nos tabuleiros das baianas que iam as ruas.
Das memórias vivenciadas por essa narradora, o tabuleiro da baiana, como o de minha avó, ajudou a difundir que o lucro da venda deveria ser prosperado, pois era parte para comprar as mercadorias e parte para o próprio sustento. Reservava-se ainda uma parte, até mesmo como forma de agradecimento, para as celebrações de seus orixás, assim não se dispersando o foco do principal.
Nas histórias, com que houve oportunidade de conviver e ouvir, os mais velhos juntavam uma porcentagem dentro dos mealheiros (espécie de cofre de barro) cada qual para seu Orixá e, quando chegavam as celebrações, aqueles cofrinhos eram quebrados, desta maneira cooperando para a preservação da memória dos costumes.
Dos ensinamentos de sustentação, a individualidade cedia lugar a necessidade de sobrevivência de um coletivo, pois naquele período todos tinham dificuldades, principalmente pela condição de negros, num país que muito tardiamente tinha libertado esse contingente. Nesse aspecto, para manter a casa, que se tornava coletiva, a maioria de mulheres dispunha de sua força humana para solidificar uma idéia de benefício comum. Para isso, algumas costuravam, outras lavavam, engomavam e assim as muitas “Marias do Candomblé” sustentavam e administravam a vida.
A partir de uma frente de formação de base de uma comunidade coletiva, Mãe Menininha teve visão e sensibilidade quando abriu as portas da Casa para a comunicação e relacionamento com o Estado brasileiro e seus representantes. Atraindo para dentro do Candomblé, para o conhecimento dessa cultura, os artistas, intelectuais e pessoas públicas, assim instaurando o gene do etnoturismo, outra forma de sustentação.
O etnoturismo equalizava a busca dos turistas que adoravam ver as celebrações das divindades e com isso começavam a assistir o candomblé, as festas públicas (sem acesso as cerimônias internas, exclusivas de pessoas da Casa). E com isso alguns resolviam ajudar. Daí também decorre o cruzamento e assimilação cultural, pois alguns jovens, pertencentes ao terreiro, ao demonstrarem suas habilidades, acabavam por ser demandados a tocar percussão com grandes artistas viabilizando, assim, oportunidades de trabalho que os favoreciam, afastando-os da marginalidade social. Abriram-se espaços também para que grandes quituteiras viessem a cozinhar paras as festas do Ioiô Oimbô (homem branco), hoje cozinhando para buffet’s.
Mãe Menininha fazia de sua casa um território neutro e próspero. Tanto assim que em sua partida fez com que dois inimigos políticos, da cidade de Salvador, Waldir e Josaphat, mantivessem uma trégua naquele momento em respeito ao amor, conferindo à eminente Senhora um enterro com honrarias de Chefe de Estado.
A matriarca Menininha, sem duvida foi a Grande Mãe em todos o sentidos da palavra, uma grande líder RELIGIOSA e POLÍTICA pois um verdadeiro líder age como ela; nasce para cuidar e dar conta de sua família, mas também acaba por ajudar, de alguma forma, os parentes, dando o exemplo de quem nasceu para educar e transmitir amor a um povo, abdicando de uma vida social.
Como disse Jorge Amado:
Na Bahia existe uma mulher que não possuindo nada, não sendo rica, não tendo nenhum posto, não mandando na política, não sendo cardeal, não sendo revestida de nenhum desses falsos poderes, detém um poder real que provem do povo, provem dela ser uma expressão provavelmente, hoje, a maior do povo baiano.

Mãe Menininha do Gantois, aclamada, cantada e contada em verso e prosa é esta grande Senhora de Oxum, líder espiritual e social de todo um povo sofrido que, arrancado de suas terras, em meio a todo tipo de agressão e transgressão, com sua fé inquebrantável sobreviveu, e mais do que isso, preservou a memória de seus ancestrais e vem, em exemplo de infinita perseverança, louvando seus Orixás. Esta Senhora de Oxum, mãe de todas as crianças do axé, sempre lhes resguardou com seu carinho e afeto, certa de que tal dedicação é apenas um elo da corrente maior, na continuidade da nossa religião.

Há dois provérbios Iorubás que gostaria de citar:
Ó ni òwe na:
Olùwo a, ku Onísègun a r`Orun
Adahunse ko ni gbe le.
Diz o provérbio:
O adivinho morre, o médico é mortal,
O mágico não vive para sempre.³
Obrigado por ter me ensinado a magia de crer que é possível vencer ainda que a luta seja difícil; por me ensinar a compreender os que pensam diferente de nós; por acreditar na magia de ser bom fazendo o bem, e por crer que enquanto houver crença que uma arvore é uma divindade sempre existirá a presença dos ancestrais e orixás. Obrigada por ter feito, ainda que por pouco tempo, parte de minha vida e que eu possa lhe causar o mínimo de orgulho por dar continuidade a seu trabalho, o que já me faria contemplada.

Olorun ni iberu, Olorun énia.
Só há respeito para com Deus se houver respeito pelas pessoas.

Créditos da postagem: Iyá Márcia D’Oxum
Yeye Adunni Ijumu (Iyá Doce Mãe Ijumu)

BIBLIOGRAFIA

1 – CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O Poder Feminino, p. 26.
2 – OLUANDEJI in Homenagem as Mulheres, p.2.
3 – ECHEVERRIA, Regina; NÓBREGA, Cida. Mãe Menininha do Gantois, p. 251, Corrupio e Ediouro, 2006.

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