A prática de oferendas aos Orixás é muito comum nos terreiros de Umbanda. Sempre tem alguém agradecendo ou fazendo pedidos para elevar as energias na Terra, para a vida melhorar, a saúde se restabelecer, o amor voltar… Mas é com a proximidade do final do ano – e no último dia dele, especialmente – que cachoeiras, rios e mares se ‘ressentem’ da devoção ilimitada desses fiéis. E quem costuma usufruir da paz desses lugares também. Inclusive os próprios devotos que sujam o meio ambiente.
Devoção e rituais devem ser respeitados. Por isso, a questão aqui não é proibir o uso desses locais sagrados para essas práticas, mas de acabar com a falta de conhecimento sobre que materiais são absorvidos pela natureza e quais não são. É inacreditável, por exemplo, que alguém acredite que seu Orixá vai ficar feliz com objetos de plástico e de metal, louças, garrafas, e até roupas e calçados deixados na água corrente, na terra, nas pedras…
Além da falta de educação ambiental, soma-se a isso a falta de informação sobre as histórias dos Orixás. Todos protegem a natureza porque a representam: as matas, os bichos, as águas doces e salgadas, o ar, os trovões, os raios, os ventos, as tempestades…
Ciente do problema causado pela falta de informação e também por entender que preservar a natureza é um dever de todos, independente da religião seguida, em 16/12, a Mãe de Santo Renata (Monankulu Dia Nzambi) promoveu mutirão de limpeza das águas e do entorno de uma cachoeira próxima ao terreiro deUmbanda que dirige.
Seu objetivo era conscientizar os frequentadores de ‘sua casa’ a respeito desse tipo de descarte e de seu impacto na natureza, Assim, antes de iniciar os rituais, comentou sobre a poluição do meio ambiente e convidou os filhos de santo para a limpeza. Eles aderiram prontamente ao seu chamado e, juntos, recolheram 20 sacos de 10 litros cada; isto sem contar o que foi queimado.
Em sua página no Facebook,Mãe Renata alertou: “Hoje, nosso compromisso foi com o sagrado, com o nkisi. Dedicamos nosso sábado às águas de Ndandalunda, não somente para nos beneficiarmos, mas, sim, antes mesmo de pedir qualquer benção, limpamos o meio ambiente, sua casa, para deixá-la linda e digna de todo ngunzu que Mam’etu Ndandalunda sempre nos proporcionou”.
Ela comentou que conheceu o local – que chama de paraíso espiritual, – há pouco tempo e ficou muito triste com seu estado e ao perceber que estava daquele jeito devido à forma como “seguidores, curiosos, irmãos, tratam a casa do Orixá”, e completou: “É como nos banharmos com lama”.
As pessoas que usufruem da ‘casa do seu santo’ – a natureza -, para oferecer alimentos, são as mesmas que se banham nas águas. Sim, fazem isso porque, como explica Mãe Renata, acreditam que a natureza é forte, “cheia de axé e que o nkisi fica feliz com sua oferenda”. Como pode? Na verdade, eles estão sujando “a casa sagrada, o solo e as águas” e, assim, tirando toda sua vitalidade e força.
E é tão simples, né? Basta saber o que pode ser descartado na natureza – o que ela realmente absorve – e não deixar nenhuma sujeira, nenhum rastro, o que Mãe Renata chama de lixos espirituais. Como ela ressaltou em seu texto, todas as casas de Umbanda deveriam ensinar seus adeptos a respeito desses cuidados. Se todos colaborarem, o meio ambiente sempre estará limpo, pronto para receber quem quiser usufruir dele.
E ela finalizou: “Com isso não mudei o mundo, mas ensinei meus filhos, para que um dia eles ensinem os filhos deles a, de fato, zelar pela casa do Orixá. Esse foi o melhor presente que pudemos ofertar aos Orixás: nossas mãos para limpar a casa sagrada das águas doces”.
Assim como Mãe Renata promoveu esse mutirão, qualquer pessoa pode fazer o mesmo sempre que encontra o meio ambiente poluído: limpar e evitar sujar. Em outubro, o Instituto Ecosurf também promoveu uma grande ação inspiradora: foi na praia da Jureia, de onde foram tirados mais de 50 mil itens! Ambos inspiradores!
O último dia do ano está aí e, com ele, as celebrações especiais para quem está na praia ou na montanha, cheias de flores e outros apetrechos para oferecer à Rainha do Mar.. Depois dessa data, virá uma das maiores celebrações da Umbanda e do Candomblé: o Dia de Iemanjá, em 2 de fevereiro. Que tal ajudar a espalhar esta ação e inspirar os adeptos dessas práticas, logo?
Agora, leia o relato da Mãe Renata no Facebook, na íntegra:
“Hoje, nosso compromisso foi com o sagrado, com o nkisi. Dedicamos nosso sábado às águas de Ndandalunda, não somente para nos beneficiarmos, mas, sim, antes mesmo de pedir qualquer benção, limpamos o meio ambiente, sua casa, e a dexiamos linda e digna de todo ngunzu que Mam’etu Ndandalunda sempre nos proporcionou”.
Conheci, há pouco tempo, este paraíso espiritual, porém muito me entristeceu ver a forma com que alguns seguidores, curiosos, irmãos, tratam a casa do Orixá.
É como nos banharmos com lama. Eles vão à casa do santo, jogam garrafas, vidros, plásticos, louças, roupas, e acreditam que o Orixá recebe e faz bom uso daquilo. Na sequência, a mesma pessoa que levou se banha nas águas de Ndandalunda, achando que está forte, cheia de axé, que o nkisi ficou feliz com sua oferenda, sem ter a sensibilidade e bom senso de que está sujando a casa sagrada, o solo, as águas, que um dia, se continuar assim, virá fazer muita falta.
O próprio umbandista e candomblecista reclama quando não acham uma água limpa, dizem assim:
– Ei fulano sabe onde tem uma boa cachoeira por aqui para se fazer uns perfures?
– Ai preciso de água de cachoeira, mas aquela é toda suja.
Por que será?
O Orixá não faz uso do seu lixo! Não recebe vasilhas, plásticos, vidros, nada disso! Além de não se decompor, esses elementos poluem a natureza que perde sua força, sua vitalidade.
Se o nkisi é a força da natureza, se a água é um dos maiores fundamentos, por que as pessoas insistem em não se conscientizarem?
Tiram os lixos da suas casas, roças, e varrem pra debaixo do tapete? Pois é assim que vejo.
Se cada casa ensinasse seus adeptos a recolherem seus lixos espirituais e, de fato, explicassem o que realmente a natureza recebe, não teríamos um cenário tão imundo.
Somos conhecidos como porcos da fé e com razão. Infelizmente, essa é uma realidade.
Tiramos mais de 20 sacos de 100 litros cheios de lixo que não serão decompostos, fora os que colocamos fogo.
Após a limpeza que realizamos, decoramos a mata com suas próprias folhas, flores e frutos e com um sopro de gongá energizamos o pedaço que os mukongos e Ndandalunda nos concederam, e assim, o nkisi pode vibrar em seu habitat limpo e lindo.
Todos os filhos comungaram e ngudiaram juntos, lanchamos e nada foi deixado ou jogado na casa do santo, tudo foi recolhido e depositado em local adequado para ser retirado.
Com isso não mudei o mundo, mas ensinei meus filhos, para que um dia eles ensinem os filhos deles a, de fato, zelar pela casa do Orixá.
Esse foi o melhor presente que pudemos ofertar, nossas mãos para limpar a casa sagrada das águas doces.
Com isso, nosso compromisso é com o santo e ele certamente sabe o que tem em nossos corações e nos dará conforme nosso merecimento e tempo, aquilo que for melhor a cada um. Com o nkisi, não precisa pedir! Ele sente, ele sabe, ele dá, ele abençoa aquele que nele confiar e dele zelar.
Nzambi Ua Kuatesa
Monankulu”.
Fotos: Divulgação/Facebook
Fonte: http://conexaoplaneta.com.br
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