03 julho 2018

Mãe de santo promove mutirão para limpar cachoeira

Mônica Nunes
A prática de oferendas aos Orixás é muito comum nos terreiros de Umbanda. Sempre tem alguém agradecendo ou fazendo pedidos para elevar as energias na Terra, para a vida melhorar, a saúde se restabelecer, o amor voltar… Mas é com a proximidade do final do ano – e no último dia dele, especialmente – que cachoeiras, rios e mares se ‘ressentem’ da devoção ilimitada desses fiéis. E quem costuma usufruir da paz desses lugares também. Inclusive os próprios devotos que sujam o meio ambiente.
Devoção e rituais devem ser respeitados. Por isso, a questão aqui não é proibir o uso desses locais sagrados para essas práticas, mas de acabar com a falta de conhecimento sobre que materiais são absorvidos pela natureza e quais não são. É inacreditável, por exemplo, que alguém acredite que seu Orixá vai ficar feliz com objetos de plástico e de metal, louças, garrafas, e até roupas e calçados deixados na água corrente, na terra, nas pedras…
Além da falta de educação ambiental, soma-se a isso a falta de informação sobre as histórias dos Orixás. Todos protegem a natureza porque a representam: as matas, os bichos, as águas doces e salgadas, o ar, os trovões, os raios, os ventos, as tempestades…


Ciente do problema causado pela falta de informação e também por entender que preservar a natureza é um dever de todos, independente da religião seguida, em 16/12, a Mãe de Santo Renata (Monankulu Dia Nzambi) promoveu mutirão de limpeza das águas e do entorno de uma cachoeira próxima ao terreiro deUmbanda que dirige.

Seu objetivo era conscientizar os frequentadores de ‘sua casa’ a respeito desse tipo de descarte e de seu impacto na natureza, Assim, antes de iniciar os rituais, comentou sobre a poluição do meio ambiente e convidou os filhos de santo para a limpeza. Eles aderiram prontamente ao seu chamado e, juntos, recolheram 20 sacos de 10 litros cada; isto sem contar o que foi queimado.
Em sua página no Facebook,Mãe Renata alertou: “Hoje, nosso compromisso foi com o sagrado, com o nkisi. Dedicamos nosso sábado às águas de Ndandalunda, não somente para nos beneficiarmos, mas, sim, antes mesmo de pedir qualquer benção, limpamos o meio ambiente, sua casa, para deixá-la linda e digna de todo ngunzu que Mam’etu Ndandalunda sempre nos proporcionou”.

Ela comentou que conheceu o local – que chama de paraíso espiritual, – há pouco tempo e ficou muito triste com seu estado e ao perceber que estava daquele jeito devido à forma como “seguidores, curiosos, irmãos, tratam a casa do Orixá”, e completou: “É como nos banharmos com lama”.
As pessoas que usufruem da ‘casa do seu santo’ – a natureza -, para oferecer alimentos, são as mesmas que se banham nas águas. Sim, fazem isso porque, como explica Mãe Renata, acreditam que a natureza é forte, “cheia de axé e que o nkisi fica feliz com sua oferenda”. Como pode? Na verdade, eles estão sujando “a casa sagrada, o solo e as águas” e, assim, tirando toda sua vitalidade e força.
E é tão simples, né? Basta saber o que pode ser descartado na natureza – o que ela realmente absorve – e não deixar nenhuma sujeira,  nenhum rastro, o que Mãe Renata chama de lixos espirituais. Como ela ressaltou em seu texto, todas as casas de Umbanda deveriam ensinar seus adeptos a respeito desses cuidados. Se todos colaborarem, o meio ambiente sempre estará limpo, pronto para receber quem quiser usufruir dele.
E ela finalizou: “Com isso não mudei o mundo, mas ensinei meus filhos, para que um dia eles ensinem os filhos deles a, de fato, zelar pela casa do Orixá. Esse foi o melhor presente que pudemos ofertar aos Orixás: nossas mãos para limpar a casa sagrada das águas doces”.
Assim como Mãe Renata promoveu esse mutirão, qualquer pessoa pode fazer o mesmo sempre que encontra o meio ambiente poluído: limpar e evitar sujar. Em outubro, o Instituto Ecosurf também promoveu uma grande ação inspiradora: foi na praia da Jureia, de onde foram tirados mais de 50 mil itens! Ambos inspiradores!
último dia do ano está aí e, com ele, as celebrações especiais para quem está na praia ou na montanha, cheias de flores e outros apetrechos para oferecer à Rainha do Mar.. Depois dessa data, virá uma das maiores celebrações da Umbanda e do Candomblé: o Dia de Iemanjá, em 2 de fevereiro. Que tal ajudar a espalhar esta ação e inspirar os adeptos dessas práticas, logo?
Agora, leia o relato da Mãe Renata no Facebook, na íntegra:
“Hoje, nosso compromisso foi com o sagrado, com o nkisi. Dedicamos nosso sábado às águas de Ndandalunda, não somente para nos beneficiarmos, mas, sim, antes mesmo de pedir qualquer benção, limpamos o meio ambiente, sua casa, e a dexiamos linda e digna de todo ngunzu que Mam’etu Ndandalunda sempre nos proporcionou”.
Conheci, há pouco tempo, este paraíso espiritual, porém muito me entristeceu ver a forma com que alguns seguidores, curiosos, irmãos, tratam a casa do Orixá.
É como nos banharmos com lama. Eles vão à casa do santo, jogam garrafas, vidros, plásticos, louças, roupas, e acreditam que o Orixá recebe e faz bom uso daquilo. Na sequência, a mesma pessoa que levou se banha nas águas de Ndandalunda, achando que está forte, cheia de axé, que o nkisi ficou feliz com sua oferenda, sem ter a sensibilidade e bom senso de que está sujando a casa sagrada, o solo, as águas, que um dia, se continuar assim, virá fazer muita falta.
O próprio umbandista e candomblecista reclama quando não acham uma água limpa, dizem assim:

– Ei fulano sabe onde tem uma boa cachoeira por aqui para se fazer uns perfures?
– Ai preciso de água de cachoeira, mas aquela é toda suja.

Por que será?
O Orixá não faz uso do seu lixo! Não recebe vasilhas, plásticos, vidros, nada disso! Além de não se decompor, esses elementos poluem a natureza que perde sua força, sua vitalidade. 
Se o nkisi é a força da natureza, se a água é um dos maiores fundamentos, por que as pessoas insistem em não se conscientizarem?

Tiram os lixos da suas casas, roças, e varrem pra debaixo do tapete? Pois é assim que vejo.

Se cada casa ensinasse seus adeptos a recolherem seus lixos espirituais e, de fato, explicassem o que realmente a natureza recebe, não teríamos um cenário tão imundo.
Somos conhecidos como porcos da fé e com razão. Infelizmente, essa é uma realidade.
Tiramos mais de 20 sacos de 100 litros cheios de lixo que não serão decompostos, fora os que colocamos fogo.
Após a limpeza que realizamos, decoramos a mata com suas próprias folhas, flores e frutos e com um sopro de gongá energizamos o pedaço que os mukongos e Ndandalunda nos concederam, e assim, o nkisi pode vibrar em seu habitat limpo e lindo.
Todos os filhos comungaram e ngudiaram juntos, lanchamos e nada foi deixado ou jogado na casa do santo, tudo foi recolhido e depositado em local adequado para ser retirado.
Com isso não mudei o mundo, mas ensinei meus filhos, para que um dia eles ensinem os filhos deles a, de fato, zelar pela casa do Orixá.
Esse foi o melhor presente que pudemos ofertar, nossas mãos para limpar a casa sagrada das águas doces.
Com isso, nosso compromisso é com o santo e ele certamente sabe o que tem em nossos corações e nos dará conforme nosso merecimento e tempo, aquilo que for melhor a cada um. Com o nkisi, não precisa pedir! Ele sente, ele sabe, ele dá, ele abençoa aquele que nele confiar e dele zelar.
Nzambi Ua Kuatesa 

Monankulu”.

Fotos: Divulgação/Facebook

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