28 junho 2012

Terra para quem é de axé: a questão fundiária dos terreiros

As atividades no terreiro Ilé Axé Oya Bagan, situado no Núcleo Rural Córrego do Tamanduá, seguiam normalmente. Mãe Baiana, além de cumprir suas tarefas rotineiras, cuidava de quatro pessoas que estavam recolhidas em processo de iniciação. Um carro parou em frente ao terreno e alguns fiscais desceram. A mensagem foi curta e grossa. “Era o pessoal da Terracap. Mandaram sair todo mundo, porque no dia seguinte iam derrubar tudo. Não teve nem tempo de recorrer. Na manhã do outro dia, eles voltaram com umas cinco kombis lotadas de policial. Derrubaram tudo”, conta a mãe de santo. O fato ocorreu em 2008.

Segundo ela, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) foi acionado. “Eles disseram para eu voltar e ficar quietinha. Caso a fiscalização reaparecesse, eu deveria formalizar a queixa. Voltei para o terreiro, levantei tudo de novo e ninguém nunca mais apareceu”, explica Mãe Baiana. Infelizmente, esse não é um caso isolado no Distrito Federal. Na mesma época em que o terreiro Ilé Axé Oya Bagan sofreu a intervenção, uma casa de santo na Asa Norte foi fechada. Outros episódios semelhantes aconteceram ao longo dos anos. O último deles ocorreu em Planaltina, em fevereiro de 2012, quando um centro foi interditado e outros dez foram notificados pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis).

As dificuldades continuam quando se busca a regularização do espaço. “Quando a gente bate na porta da Administração Regional para pegar o alvará, eles inventam um monte de coisas. Por exemplo, eu tenho uma cozinha, com fogão a lenha para fazer a comida dos meus sagrados. Mas a minha cozinha, não pode ser comparada à grande cozinha de um restaurante no centro de Brasília. Não pode comparar, mas eles comparam. A gente queria sentar para explicar como é o funcionamento da nossa religião e tentar uma conciliação, mas isso não acontece. E o nosso processo fica parado”, explica Mãe Baiana.

A gravidade da situação, acentuada pelo incidente em Planaltina, fez com que os representantes das religiões de matriz africana da cidade se mobilizassem atrás de uma solução. O vice-governador Tadeu Filippelli, parlamentares distritais e federais se reuniram com esses representantes no final de março. Dessa reunião saiu a promessa da criação de um grupo de trabalho para estudar a situação. “Percebemos a necessidade de construir um GT para que nós pudéssemos fazer um senso. O mais importante é identificar quantos terreiros existem no DF, onde eles estão e qual é a condição que eles enfrentam. Precisamos ter uma dimensão para tirar da invisibilidade”, comenta a deputada federal Érika Kokay, que também estava no encontro.

O grupo de trabalho, no entanto, até hoje não foi constituído. “Eu já liguei para o vice-governador, que foi quem coordenou a reunião, e ele me disse que estava conversando com o governador e que iria ter novidades. Mas não houve nenhum tipo de retorno. Talvez fosse importante que os parlamentares distritais fizessem um requerimento de informação, coisa que eu só posso fazer em nível federal”, afirma Érika. No dia 4 de abril, uma audiência pública foi realizada na Câmara Legislativa do DF para discutir o tema. Mas o GT continuou apenas no papel.

Enquanto isso, a deputada federal participa da coordenação da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Tradicionais de Terreiro. Lá, a discussão está pautada em três eixos. “Queremos fazer a discussão em nível nacional, com base na questão fundiária, na questão de geração de emprego e renda e na questão de identidade cultural e enfrentamento da intolerância. E é preciso que isso seja feito também no DF”, afirma.

Érika também ressalta a questão da Prainha, um ponto turístico da cidade que possui esculturas dedicadas aos orixás. Esse local sofre depredações constantes. “Existe um projeto de reforma na Novacap. E eu disponibilizei uma emenda orçamentária para a revitalização. Já estivemos duas vezes com o administrador atual de Brasília e ele se mostrou sempre simpático e muito aberto à proposta. Mas ainda não vemos nenhum tipo de encaminhamento que nos dê alguma garantia”, declara a deputada. Para ela, é muito importante que as religiões de matriz africana tenham um espaço formal e público de expressão.

Mãe Baiana, que é integrante do Fórum Religioso Afro-brasileiro do DF e Entorno (Foafro), garante que vai manter a mobilização em prol dos terreiros. “O povo de santo deve se fazer presente nas audiências públicas na Câmara Legislativa, na Câmara Federal, no Senado. Todo lugar aonde é possível se referir um pouquinho ao povo de santo eu irei, eu estarei lá representando a gente e mostrando o que a gente sofre”, finaliza.

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