Na tradição Yorubá a liderança religiosa é também uma liderança política. Isto porque na cosmovisão Yorubá não se separa o sagrado do profano, pois se entende que tudo, absolutamente tudo é sagrado. As árvores, o solo, as águas, o vento, a chuva, o ar, todos os elementos são manifestações divinas do poderoso Olodumare, senhor da Criação e de todo o Universo, segundo as crenças africanas. Sendo assim, não haveria sentido, a partir desta cosmovisão, em separar o religioso do político, pois ambos caminhariam juntos e estão interligados.
No entanto, um dos elementos mais perversos da dominação colonialista foi nos incutir a mentalidade que religião e política não podem nem devem se misturar. Esta visão permitiu que centenas de gerações de negros e negras nascidos no Brasil não olhassem para a política, não a valorizassem, tornando-se, portanto, reféns daqueles que a fazem, os dominadores que vieram nas caravelas enquanto nós, que viemos nos navios negreiros não percebemos que a política, mesmo com o fim da escravidão, continuou a ser o principal elemento de dominação da população negra brasileira.
No entanto, é chegada a hora de mudar esse colonialismo mental. Estamos prontos e queremos mudar essa história. Na verdade, queremos construir uma nova história a partir da conscientização do povo-de-santo da importância que tem o voto consciente a partir de debates em torno do voto consciente nos Terreiros. Esta campanha, iniciada em Salvador, já ganhou contornos nacionais e hoje o povo-de-santo do Brasil inteiro está mobilizado em torno deste slogan por compreender que é chegada a hora de ocuparmos, sim, os espaços políticos que nos são devidos. São os espaços onde, socialmente, são decididas as nossas vidas. Ao abrirmos mão da política damos a outros a oportunidade de falar por nós, nem sempre a nosso favor, enquanto outros setores organizam-se e ocupam cada vez mais espaços políticos e com isso acumulam forças direcionadas a nos contrariar e oprimir.
É chegada a hora de dizermos um basta e contornarmos este problema. Com o voto consciente do povo de Axé devemos eleger pessoas de fato comprometidas com nossas causas, que falem nossa língua, entendam nossas dificuldades, compreendam nosso modo de ser e, mais importante, que estejam dispostas a serem verdadeiros guerreiros e guerreiras de nossas causas. Tradicionalmente, nunca foi fácil professar nossa fé no Brasil. Somos ofendidos, taxados de primitivos, cultuadores do mal, adoradores de coisas ruins, quando, na verdade, nossa concepção religiosa é tão bela, ampla e sofisticada que só mesmo passando por um longo processo de iniciação e aprendizado a pessoa terá condições de começar a compreender a dimensão sacra que têm as tradições de matrizes africanas. Atualmente, a intolerância religiosa tornou-se um dos maiores desafios à prática de nossa fé. De norte a sul do país estamos sendo atacados, às vezes de forma sutil, em outras com violência, pois para alguns grupos nós simplesmente não devemos existir ou devemos existir sob sua “supervisão e controle”.
Mas não só existimos, como resistimos. Tornamos-nos cada dia mais fortes e hoje temos um grande diferencial: aprendemos a olhar além dos muros de nossos terreiros e compreendemos que para mantermos intacta nossa fé, precisamos romper as fronteiras e lutar pelo que é nosso. E é isso que faremos em 2012. Salvador será palco de um grande momento histórico em nosso país. O momento em que elegeremos gente nossa, gente que bate cabeça, toca atabaque, vira com santo, dança, ri e canta para os Orixás e aí sim, estaremos dando um importante passo na defesa dos nossos direitos.
Ser de Axé é muito mais que trocar a bênção, vestir branco, é saber a importância do modo de ser e viver africano no Brasil e foi isso que as casas de terreiro preservaram ao longo de centenas de anos. Em 2012, inauguraremos a etapa em que não só afirmaremos que somos de Axé, mas que também votamos em pessoas de Axé, pois somente elas têm a legitimidade para nos representar e falar por nós. Sou do AXÈ e meu VOTO também é.
Jaciara Ribeiro
Yalorixá do Ilê Axé Abassá de Ogum
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