13 dezembro 2011

Religiosos de Inhoaíba vão pedir o tombamento da imagem de ex-escrava.


Religiosos depositam oferendas no local durante o ano inteiro Foto: Thiago Lontra




Os sinais do tempo já estão presentes por todo o corpo. Consomem, com mais intensidade, as mãos e até as roupas, bem sujas e empoeiradas. Ainda assim ela resiste em uma espécie de cativeiro, que a protege contra um outro tipo de escravidão, a da intolerância.

É dessa forma, trancada em uma casinha branca na Praça Adolfo Lemos, em Inhoaíba, que sobrevive parte da história do bairro, representada na imagem da escrava Tia Maria do Sul de Minas. Outra parte está na escultura em bronze de Tio Quincas, o escravo mais antigo de lá, que está entre os 40 monumentos com revitalização prevista pela prefeitura até o fim do ano.

Segundo a Secretaria municipal de Conservação, a casa de Tia Maria não pertence ao órgão. Mesmo assim, receberá pintura.

— Se não fosse eu a ajeitar essa casa, a prefeitura é que não faria isso. A imagem faz parte da praça e também deve ser conservada — esbraveja a mãe de santo Lenir Rosa de Souza, de 60 anos, a mãe Rose, que é a atual guardiã da praça conhecida no bairro como Praça de Preto-Velho.

Há dez anos, é ela a dona da chave do portão de ferro da casa que abriga a imagem de Tia Maria, a escrava cultuada pelos umbandistas como os pretos-velhos, os espíritos de escravos que incorporam na Umbanda. O mesmo acontece com a imagem de Tio Quincas.

Só que a dele, segundo a secretaria de Conservação, passa o ano nos porões da Administração Regional de Campo Grande e só visita a praça no dia 13 de maio, o dia da Abolição dos Escravos, quando os pretos-velhos são festejados. Os umbandistas dizem que isso previne a intolerância.

— Recebi a chave de um morador que tomava conta da casa e hoje é cristão. Por isso sei que a imagem do Tio Quincas é uma réplica, pois a original foi roubada. Até a de Tia Maria já sofreu com uma maluca que cismou de chutar as obrigações depositadas ali. Vou pedir proteção, o tombamento — diz mãe Rose, sobre a conversa que quer ter com a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR).

Segundo o presidente da comissão, babalaô Ivanir dos Santos, o tombamento da imagem só pode ser feito, quando alguém fizer o pedido primeiro ao órgão, o que será feito em breve.

Gratidão ao preto-velho na Praça Adolfo Lemos
A imagem em bronze do escravo Joaquim Manuel da Silva, o Tio Quincas ou Paizinho Preto, foi inaugurada no dia 13 de maio de 1958 pelo escultor Miguel Pastor, que queria homenageá-lo por sua popularidade no local. Já a de Tia Maria ainda é um mistério.

A prefeitura diz que os moradores a puseram ali. Já Mãe Rose acredita que ela também foi esculpida por Miguel Pastor. Só que para homenagear as mulheres, pois Tia Maria, segundo ela, era ama de leite do filho do senhor de engenho da fazendo do bairro.
— Miguel Pastor era espírita. Por isso desenhou o ponto de um preto-velho com pedras portuguesas na praça. Já Tio Quincas não gostava de espiritismo.
Ela emenda:
— Já vi uma mulher cair de joelhos, aos prantos, em frente à imagem, para agradecer pelo desfecho feliz do sequestro da filha — conta Rose.

A Praça Adolfo Lemos foi inaugurada no dia 13 de maio de 1958 com a escultura de Tio Quincas, que nasceu em 1854 e morreu com 109 anos. Segundo a secretaria de Conservação, ele participou do evento.
— Além do morador que me deu a chave, um pai de santo que me via fazendo cultos na praça me levou à subprefeitura e, desde então, passei a cuidar dela.

Até porque foi um pedido que um preto-velho me fez — diz Rose.
A data e os monumentos coincidiram com a fé dos umbandistas. Mãe Darci de Oxumarê diz que tem festa nessa data todo ano.

— Os terreiros vêm à praça louvar — conta.
O obelisco de Tio Quincas também recebe oferendas nesse dia.

FONTE- EXTRA.GLOBO

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