Relacionado aos rios, orixá é homenageado no Recife por causa dos afluentes que cortam a cidade. Nos tempos da escravidão, africanos e descendentes usavam imagens da santa para reverenciar Oxum.
Por Pedro Alves, G1 PE
Enquanto na Igreja Católica se comemora, neste domingo (16), o Dia de Nossa Senhora do Carmo, padroeira do Recife, os devotos de religiões de matriz africana celebram Oxum, orixá feminino das águas doces e do ouro, regente da harmonia e do equilíbrio emocional. Em Pernambuco, as terças-feiras são dedicadas ao orixá, mesmo dia em que se realizam as missas carmelitas da santa católica. O 16 de julho, dedicado à santa católica, tornou-se, para o povo de terreiro, dia de celebrar Oxum.
Por causa dos rios que cortam a capital pernambucana, local do reinado de Oxum, junto com as cachoeiras, o sincretismo religioso de relacionar o orixá à santa do catolicismo se intensifica. Antigas gerações de negros vindos do continente africano e seus descendentes, até os dias atuais, mantêm a devoção à própria cultura muito próxima da crença trazida e imposta pelo colonizador. Na história de repressão e violência deixada pela escravidão, o sagrado ultrapassa as barreiras culturais.
Historiador e sacerdote da jurema e candomblé, Alexandre L’Omi Lodò é filho de Oxum — assim são chamadas as pessoas regidas por um determinado orixá — e explica que, historicamente, o que era representação se tornou parte da própria fé dos africanos. Ele, que é coordenador do Quilombo Cultural Malunguinho, em Abreu e Lima, no Grande Recife, conta que o que surgiu como forma de sobrevivência dos povos africanos tornou-se tradição, em uma história de resistência da cultura negra entre os resquícios de mais de 300 anos de escravidão, que duram até hoje.
“O sincretismo só existiu por causa do medo, porque nunca existiu relação cordial. A tradição da igreja se relaciona por causa das cores e da aproximação dos elementos. Por exemplo, amarelo é a cor de Oxum e de Nossa Senhora do Carmo, assim como azul é a de Iemanjá e Nossa Senhora da Conceição. Juntando isso, deu-se a representação”, diz Alexandre.
Ele explica também que os africanos, quando foram trazidos ao Brasil, precisavam criar uma estratégia de sobrevivência para si e para seu sagrado, ou seriam mortos. "Como forma de enganar quem os perseguia, eles colocavam imagens católicas nas senzalas e, em baixo, as oferendas e assentamentos africanos. Como os colonizadores não sabiam as línguas africanas, achavam que a prática era o cristianismo", conta.
Segundo Pai Messias, da Tenda de Umbanda Pai Francisco, no Arruda, na Zona Norte da capital pernambucana, existe um carinho específico do povo de terreiro de Pernambuco com os santos católicos. Na tenda, na noite do sábado (15), foi realizado o Grande Toque de Oxum, em homenagem ao orixá da fertilidade, aproveitando a data em que se celebra a padroeira do Recife.
"Pernambuco tem uma grande tradição dentro do candomblé e da umbanda, de venerar seus orixás em relação aos santos católicos, mas, além disso, a veneração aos orixás por si só é muito presente", afirma.
Ainda assim, o carinho do filhos de orixás pelos santos se mantém entre as gerações como parte integrante da cultura afrobrasileira. No Recife, o quarto grupo de afoxé mais antigo de Pernambuco, o Oxum Pandá, atua há quase 20 anos e é conhecido não só pela estética, mas também pela militância no movimento negro.
"Oxum é o orixá que nos dá força e poder pra não faltar pão de cada dia. Ela é mãe, assim como Maria. Os africanos tinham veneração pelos seus orixás e, para não passar sem venerar seus orixás, aproveitavam as missas e orações dos senhores de engenho. Colocavam uma pedra, faziam a oferenda em baixo de uma mesa e faziam a festa", relata Pai Messias.
Ainda sobre o sincretismo religioso, Pai Messias diz que novas gerações de povos de terreiro já não mantêm tão ativo o culto aos santos católicos junto aos orixás, por terem nascido em contextos diferentes do da escravidão. O sentimento é compartilhado por Alexandre, que fala sobre o reconhecimento dos negros na própria cultura
"A gente sabe que existem pessoas do candomblé que gostam do catolicismo, é um resquício da memória. Apesar disso, não existe ‘tradução de orixá’. Existe uma Nossa Senhora do terreiro e da igreja, é completamente diferente. Julho ser o mês de Oxum e as terças serem dedicadas ao orixá é algo bem pernambucano. Essa relação é daqui", finaliza.
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