23 março 2013

O QUE É MAGIA

A umbanda é magia: magia não é privilégio de ninguém.

 

Magia é a arte de manipular a natureza criando campos de força. E é exatamente isso que fazem os Orixás nos terreiros de Umbanda. Juntam elementos para criar desde um simples patuá até uma enorme energia positiva para destruir outra da mesma intensidade criada por espíritos malignos. Magia é botar um imã dentro de um coité com água com uma guia para absorver as energias negativas desta guia.
É falar com as salamandras para esfriarem o fogo, permitindo tocá-lo sem se queimar. Ir no morro e ouvir o som do vento e falar com Iansã. Ou saber onde se esconde o duende. Magia não tem receituário nem dicionário. Magia é magia. Quem agüenta mandinga manipula patuá. Já vi um médium de 55 quilos, incorporado, carregar nas costas um homem de 140 quilos. Já vi espírito acender charuto com pemba. Sentar em cacos de vidro. Acender uma vela, apertar contra a parede e ela ficar pregada, acesa e sem queimar a frágil madeira. Vi muita coisa ao longo das minhas atividades espirituais. Apenas lamento o mau uso do termo magia. Todas as pessoas que trabalham na Umbanda são pequenos magos.
Uns conscientes e outros inconscientes, mas, direta ou indiretamente, praticam a magia. Por burrice tem gente matando cabritos, comendo carne crua e alguns, pasmem, praticando a magia do sexo, esta a mais burra e inexistente magia. São pessoas desorientadas e pervertidas usando o nome da magia para saciar seus instintos grotescos. Um conselho: não queiram entender a magia. Deixem isso para as entidades. Abaixo explico os termos usados pelo Caboclo Junco Verde na mensagem acima:
 

Magia do marafo

A cachaça tem dupla função. Serve para amortecer o médium permitindo ao espírito melhor domínio de seu mental, além de ser manipulado no plano espiritual para fins que fogem completamente à nossa compreensão. Espírito não vem no terreiro para beber. O grande exu Tranca Ruas das Almas, inquirido sobre a necessidade do espírito beber respondeu:

Se quisesse beber não viria nos terreiros. Iria freqüentar os bares onde vivem os alcoólatras e lá arranjaria um copo-vivo. (termo usado àqueles que são dominados por espíritos viciados em bebida).
Aqui vale um ensinamento. No mundo espiritual existe o principio da lei dos semelhantes, ou seja, o semelhante atrai o semelhante. Todo homem embriagado quase sempre está acompanhado de um espírito semelhante. O grande problema é que, como o espírito não pode ingerir a bebida, ele aspira, para sua satisfação, o cheiro do álcool, razão pela qual o bêbado (copo vivo), ingere enormes quantidades de bebida. Uma parte para ele e outra para o espírito. Interessante que esses espíritos protegem o seu doador, bem como nós fazemos com o copo que nos serve para beber água. Quando comecei a trabalhar na Umbanda, o Caboclo Junco Verde bebeu uma garrafa inteira de uma cachaça chamada Velho Barreiro. Dose para me mandar ao hospital em coma, pois sou avesso a bebidas alcoólicas e fico tonto com pequena dose de licor. Fiquei assustado. Pedi ao caboclo mudar a bebida, sob pena de não mais querer trabalhar com ele. Fui atendido. Hoje bebe um pouco de cerveja. Isto é magia.
 

Magia da fumaça

Todas as religiões do mundo usam a fumaça como depurador das energias. A defumação é sagrada e consagrada pelo mundo inteiro, desde os monges tibetanos até os padres católicos. O turíbulo do Orixá é o charuto. Faz parte da cultura indígena e por extensão da Umbanda. Não devemos confundir a fumaça do charuto com a defumação através de ervas ou bastões cheirosos. Ambos têm funções importantes na religião, mas são usados de forma diferente. Não devemos esquecer os vários tipos de fumaça usadas pelos espíritos. Além do charuto, o palheiro ou cachimbo do preto-velho, o cigarro comum das pombas-gira, também produzem o mesmo efeito. Uma forma também eficiente e forte para defumar é pano na brasa. Vejam, existem várias formas, mas todas produzem fumaça, mas também o cheiro. O fumo às vezes serve para as entidades nos darem lições. O Pai Luiz, preto velho com quem trabalho, pediu para seu cigarro de palha fumo em corda. Entretanto, exigiu fosse eu quem cortasse e preparasse para ele o fumo. Indagado por que, disse: "enquanto corta, vai se lembrar de mim..."

Magia do som e do movimento

A música foi feita para as pessoas se amarem. O som mexe nossos sentimentos. E também fazia parte da cultura dos índios. É um mantra. Mas não é só isso. O som repercute no éter. Ele vibra. A fala mansa domina e a fala grosseira irrita . Ele tem um equilíbrio, regulando nossas emoções. Quando ouvimos uma música forte, sentimos força interior. Ficamos mansos e dóceis ao som de uma música suave.
Quem não se lembra da suavidade das canções de ninar docemente cantadas por nossas mães? E quem não se lembra dos sustos e medos passados na infância por gritos histéricos de alguém? Imaginem estarmos sentados à beira de um rio, olhos fechados, ouvindo o gostoso barulho da água formando pequenas marolas, ainda premiado com o canto de um sabiá e outros pássaros e uma pequena brisa nos refrescando. É um sentimento ligado ao som e movimento.
Agora estamos voltando para casa. Os carros em sentido contrário fazendo o ruído na janela, a buzina dos apressados motoristas tentando a ultrapassagem com o som ligado em volume máximo, tocando um pagode imoral desses conjuntos comerciais ou as barulhentas guitarras dessas bandas histéricas. Nossas emoções, com certeza, serão diferentes. O movimento tem o mesmo efeito do som. Reparem que um andar seguro, calmo e firme transmite uma personalidade segura. Um andar desordenado e atabalhoado agita as energias em sua volta. Vejam um exército marchando. O garbo dos soldados emociona a todos.
Falei do andar. E a dança! Quantos efeitos ela causa. Quando se fala em espiritualidade nosso parâmetro é Jesus Cristo. Na minha cabeça Jesus era um homem sereno, de andar firme, gestos harmoniosos e voz suave, pausada e clara, o que em absoluto me faz pensar fosse um homem triste. Ao contrário, imagino tenha sido um homem levando sempre um sorriso a todos, mas nunca deve ter dado uma gargalhada.
Nas suas caminhadas não devia cansar, pois seus passos deveriam ser firmes e uniformes, sem jamais correr. Se alguém me perguntasse qual o movimento mais equilibrado que pudesse conceber, responderia, sem hesitação: o levantar do braço de Jesus Cristo acompanhado de sua firme voz.
 

Magia da guia

Uma vez perguntei ao pai Maneco o que poderia ser tirado do ritual da Umbanda. Respondeu: "vou dizer o que não se pode tirar: as guias, os elementos, os mantras e a quimbanda". Na verdade, pela resposta, sobrou muito pouco. Mas voltemos às guias. A guia é o elemento de ligação entre o médium e o espírito. Imanta-se um campo de força nela centralizado, criando uma eficiente proteção contra eventuais energias negativas. Sempre carrego uma guia de miçanga pequena com a cor de meu Orixá.
Tempos atrás no encerramento de um trabalho de praia, uma médium não estava bem. O trabalho tinha começado às 20:00 horas. Eram quase 5:00 horas da madrugada. A última coisa que queria era perder tempo para o encerramento. Quis ser rápido. Não hesitei. Agarrei as mãos da médium e puxei aquela energia ruim. Em mim, saberia o que fazer. Deu certo, mas, além da indesejável vibração, atrasei catando na areia as contas da minha guia rompida no instante da passagem energética. Descobri ser ela um pára raios, ou melhor, um pára energias. A guia deve ser feita de acordo com a vontade do espírito. Guia não é colar e, muito menos, enfeite. Existem vários tipos de guia. A guia do Orixá cósmico é feita com pedras da cor cultuada pelo dirigente do terreiro. São pedras de cristal e suas miçangas podem ser distribuídas com bom gosto. Mas jamais exageradas ou grande.
Deve ser usada pendurada no pescoço e nunca atravessada no ombro. Guia de caboclo é feita com sementes de capiá, também conhecida como Lágrimas de Nossa Senhora, outras sementes como coronha (olho-de-boi), dentes, pedaços de ossos, bambus, conchas e outros elementos marítimos e até penas coloridas, tudo de acordo com a solicitação da entidade e conforme a sua origem.
Os pretos velhos são mais simplórios em suas guias. Gostam de muita simplicidade e preferem a guia inteira de sementes de capiá e poucos elementos.
Fiz uma guia para o Pai Joaquim, meu padrinho. Caprichei. Fiz toda cheia de elementos compatíveis com a sua força. Capiá intermediado com dentes, olho-de-cabra e outras coisas mais. Entreguei-lhe orgulhoso. Ele agradeceu muito. Só que na primeira consulta deu de presente ao consulente. Fiz outra. Arrebentou. Fiz outra mais suave, com menos elementos. Arrebentou. Fiz outra mais suave ainda. Arrebentou. Fiz outra só de sementes de capiá. Até hoje ele usa. Onde errei? Subestimei sua humildade. O Pai Tobias disse-me querer em sua guia um guizo de cobra. Fiz-lhe a guia, como queria, mas sem o tal guizo. Entreguei-lhe. Ficou alegre e eu também. Afinal não tinha reclamado a falta do elemento. Fez a mesma coisa que o Pai Joaquim. Deu de presente. Fiz outra, claro, com o guizo. Não presenteou mais. Guia não é nossa. Pertence à entidade, para nossa proteção.
 

Magia do ponto riscado

A sagrada grafia dos Orixás serve para identificar o espírito comunicante, para chamar falanges e construir campos de força. Vejam esta passagem: a gira era de quimbanda. O Exu Tranca Ruas das Almas havia armado um trabalho no centro do terreiro. Era para uma família necessitada. As entidades trabalhavam nele. Já passava da meia-noite quando a poderosa entidade comunicou sua intenção de fazer a entrega do trabalho na calunga pequena (cemitério). Alguns minutos depois disse não precisar mais ir ao cemitério, mas queria ficar no terreiro até o sol nascer. Para alívio geral, logo em seguida, levantou o trabalho, mandou descarregar e determinou o encerramento da gira. Espírito não brinca, principalmente uma entidade do cepo do exu Tranca Ruas das Almas.
A explicação veio de fora. O Exu Gira Mundo, incorporado em eficiente pai de santo, confidenciava estar maravilhado com o trabalho por ter o povo da calunga, segundo suas palavras, vindo no terreiro aceitar o trabalho solicitado. Quando o Exu Tranca Ruas das Almas riscou o ponto (grafia do Orixá), havia solicitado auxílio aos espíritos trabalhadores com a energia do cemitério. Disse fazer a entrega naquele local, por ser lá onde eles receberiam o trabalho. Com certeza ele recebeu uma mensagem tipo: "deixe que nós vamos lá", foi quando disse não precisar mais ir no cemitério, mas teria que ficar esperando por eles no terreiro o que aconteceria até o sol nascer. Vieram antes, receberam e aceitaram o trabalho, permitindo o encerramento da gira. Isto é uma das tantas magias do ponto riscado. Pai de santo experiente identifica o espírito pelo seu ponto riscado.
 

Magia do ponteiro

Os antigos magistas já usavam a espada como elemento de grande importância em seus trabalhos de magia. Na verdade a ponta do aço é usada para explodir campos negativos de forças. Quando fincado, ele firma a magia, ou seja, firma o ponto. Todos os espíritos na Umbanda fazem uso do ponteiro. É difícil identificar suas intenções quando "batem os ponteiros". Mas batem, e batem muito bem.

Magia do Terreiro

O terreiro é a casa santa dos umbandistas. Nele se concentram todas as energias dos espíritos. Suas firmezas, o congá, a roncó, a casa dos exus, o respeito dos freqüentadores. É o lugar onde cultuamos e desenvolvemos nossa espiritualidade através do emocionante encontro com o mundo dos espíritos, o outro lado da vida, a nossa Aruanda.

Magia da hierarquia

Uma pessoa da cultura disse-me um dia: "gostei muito da Umbanda. Lá todos são deuses, ou seja, todos têm condição de fazer o milagre." A hierarquia na Umbanda é respeitada por todos os participantes. O pai ou mãe de santo dita as regras e a filosofia da casa, as mães e pais pequenos são seus auxiliares diretos, os capitães cuidam da gira e dos médiuns e os ogans cuidam da engoma, o conjunto de instrumentos usados no terreiro. Sobre a obediência à hierarquia o Caboclo Akuan disse: "quem não sabe obedecer, jamais poderá mandar". Este conjunto de respeito forma a união e a integridade mágica da casa dos espíritos.
Magia da corrente
Li e usei: Ninguém é tão forte como todos nós juntos.? A corrente é a grande força do terreiro. Uma vez alguém perguntou ao Pai Maneco a importância de um terreiro bonito e confortável. "Meu filho, se esta casa cair, referindo-se a parte material, pois batia na parede de alvenaria, vocês vão se reunir lá fora, olhando para o céu estrelado, e vão continuar trabalhando. Mas se a corrente se dissolver, o terreiro, mesmo bel o e sólido, vai fechar. Na verdade, acho a corrente mais merecedora de cuidados que estas paredes frias. Nunca trabalhei sozinho, só com a corrente. Quem trabalha sozinho, um dia ou outro, vai se complicar". É inevitável o desastre. A corrente, como diz a mensagem, é a força do terreiro. Tudo gira em torno dela. São meus pequenos deuses. Que Oxalá abençoe a todos eles.
 

Magia do Caboclo

A presença do índio brasileiro na umbanda é a prova incontestável de sua nacionalidade. Mesmo nas outras linhas a sua cultura está sempre presente. Ele representa a força. Nem poderia ser diferente, partindo de um povo morador nas matas e dentro das florestas e conhecedor de todos seus segredos, inclusive os espirituais.

Magia da Criança

Imaginem uma criança com menos de sete anos, possuindo a experiência e a vivência de um homem velho e ainda gozando a imunidade própria dos inocentes. Esta é a entidade conhecida na umbanda por erê. Fazem tipo de criança, pedindo como material de trabalho chupetas, bonecas, bolinhas de gude, doces, balas e as famosas águas de bolinhas, ou seja, o refrigerante e tratam a todos como tio e vô. Não sei. Às vezes fico atrapalhado. Acho que tem a ver com minha idade esta manifesta ir rita ção. Por outro lado, algumas vezes fico deslumbrado com a eficiência de seus trabalhos. Uma vez telefonou-me um fazendeiro assustado pelas mortes de seu gado. Achava ser trabalho feito. Ele foi no terreiro, tendo sido atendido normalmente. No final do trabalho uma criança incorporada chamou-o e, com uma pemba, fez um desenho no chão como se fosse um mapa todo recortado. No meio desenhou três corações e desenhou um risco, como um rio, fazendo um encontro com outro. Tio, falou. Os corações simbolizam seus três filhos.
O homem confirmou. Mostrando o mapa, disse ser a sua casa, construída com vários pedaços. O homem explicou ser sua fazenda constituída de várias áreas. Apontando exatamente no encontro dos riscos, disse estar ali o problema, estando a água cheia de veneno e onde os bichinhos do tio estavam morrendo. Mais tarde o fazendeiro telefonou-me dizendo estar a água do rio realmente envenenada por agro-tóxico. Outra vez, no encerramento do trabalho uma experiente médium deu sinais de incorporação de criança. Claro, disse-lhe não permitir a incorporação, afinal estávamos encerrando a gira. Mas não deu. Ela incorporou e batendo palmas e bunda no chão, veio ao meu encontro pedindo um dólar. Um dólar? Respondi. O que você vai fazer com um dólar? Ela insistiu: quero um dólar. Achamos graça.
A cena foi alegre e descontraída. Alguém tem um dólar para a criança? perguntei ironicamente. Da assistência uma moça fez sinal afirmativo. Fiquei perplexo. Somente eu conhecia o seu problema. Tinha câncer maligno nas cordas vocais e tinha cirurgia marcada. Da ironia à seriedade, convidei a moça para entrar no terreiro e fazer a entrega do dólar ao erê. A entidade fez festa ao dólar, deixou-o de lado e agarrou-se na garganta da moça fazendo-lhe leves passes magnéticos. Ela fez a cirurgia na terra, mas está curada. Os erês são, via de regra, responsáveis pela limpeza espiritual do terreiro. A incorporação da criança é típica. Sempre andam se arrastando e dificilmente ficam em pé. Perguntaram ao Pai Maneco por que a incorporação se dá desta forma? "Se não for assim, ninguém conseguirá controlar a gira", respondeu lacônico.
 

Magia do Preto Velho

O Preto Velho é o feiticeiro, apesar de suas mensagens serem baseadas no evangelho. É o fala mansa, humilde, mas intransigente. É ele quem nos dá os puxões de orelha. Na magia, além dos segredos de origem africana, conhecem a cultura dos pajés indígenas. Eles que organizam os trabalhos para o exu, aliás, seu subalterno direto.

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