10 junho 2011

A Fogueira de Xangô


Xangô teria sido o quarto rei da cidade de Oyó (Nigéria), que foi o mais poderoso dos impérios iorubás. Após sua morte, foi divinizado, como era comum acontecer com os grandes reis e heróis daquele tempo e lugar, e seu culto passou a ser o mais importante da sua cidade, a ponto de o rei de Oyó, a partir daí, ser o seu primeiro sacerdote. Mas sua história começa um pouco antes: Um guerreiro chamado Oduduwa, que vinha de uma cidade do Leste, invadiu com seu exército a capital de um povo então chamado Ifé e se tornou seu governante, mudando o nome da cidade para Ilê-Ifé. Oduduwa teve um filho chamado Acambi, que teve sete filhos. O sétimo foi Oraniã, que foi rei da cidade Oyó. Um dos filhos de Oraniã tinha o nome Xangô, e era o grande guerreiro que governava Kossô, pequena cidade localizada  nas cercanias da capital Oyó. Xangô um dia destronou o irmão Ajacá-Dadá, e o exilou como rei de uma pequena e distante cidade, onde usava uma pequena coroa de búzios, chamada coroa de Baiani. E assim foi coroado o quarto Alafin de Oyó, o obá (rei) da capital de todas as grandes cidades iorubás. O rei Xangô, que depois seria conhecido por Trovão, sempre procurava descobrir novas armas para com elas conquistar novos territórios. Quando não fazia a guerra, cuidava de seu povo. No palácio recebia a todos e julgava suas pendências, resolvendo disputas, fazendo justiça. Um dia mandou sua esposa Yansan ir ao reino vizinho e de lá trazer para ele uma tal poção mágica. Yansan foi e encontrou a mistura mágica, que tratou de transportar numa cabacinha. Por ser curiosa, Yansan provou da poção e achou o gosto ruim. Quando cuspiu o gole que tomara, entendeu o poder do poderoso líquido: ela cuspiu fogo! Xangô ficou entusiasmadíssimo com a nova descoberta. Se ele já era o mais poderoso dos homens, o que dirá agora, que tinha a capacidade de botar fogo pela boca. Quem resistiria? O Obá de Oyó subiu a uma elevação, levando a cabacinha mágica, e lá do alto começou a lançar seus assombrosos jatos de fogo. Os disparos incandescentes atingiram a terra chamuscando árvores, incendiando pastagens, fulminando animais. O povo, amedrontado, chamou aquilo de raio. Da fornalha da boca de Xangô, o fogo que jorrava provocava as mais impressionantes explosões. De longe, o povo escutava os ruídos assustadores, que acompanhavam as labaredas expelidas por Xangô. Aquele barulho intenso, aquele estrondo fenomenal, que a todos atemorizava e fazia correr, o povo chamou de trovão. Mas a sorte foi ingrata. Num daqueles exercícios com a nova arma, o Obá errou a pontaria e incendiou seu próprio palácio. Do palácio, o fogo se propagou de telhado em telhado, queimando todas as casas da cidade. Em minutos, a orgulhosa cidade de Oyó virou cinzas. Os conselheiros do reino se reuniram para destituir Xangô. Ele se retirou para a  floresta e numa árvore se enforcou. Sua morte teria sido injusta e por isso o Orun o acolheu como imortal. De todos os orixás que marcam a saga da cidade de Oyó, nenhum foi mais reverenciado que Xangô, mesmo quando Oyó passou a ser apenas um símbolo esfumaçado na memória dos atuais seguidores das religiões dos Orixás espalhados nos mais distantes países da diáspora africana do lado de cá e do lado de lá do oceano. É enorme a importância que Xangô ocupa nas religiões africanas nas Américas, pois foi exatamente nesse momento histórico da chegada dos iorubás, que as religiões africanas se constituíram, no século XIX. Nascido da iniciativa de negros iorubás que se reuniam numa irmandade religiosa na igreja da Barroquinha, em Salvador, o primeiro templo iorubá da Bahia foi, emblematicamente, dedicado a Xangô. Seus ritos, que em grande parte reproduziam a prática ritualística de Oió, acabaram por moldar a religião que viria a se constituir no candomblé. Ele é mais que história da África e mais que história do Brasil. Seu duplo machado visa a justiça para cada um dos lados. Suas pedras-de-raio são o santuário guardião das esperanças de tanta gente que padece em conseqüência das mazelas da sociedade: desemprego, falta de oportunidades, incompreensão e dificuldade no trabalho, escassez de meios de sobrevivência, perseguição e disputas insanas. Apelar a Xangô, para o devoto, é buscar alento, realimentar esperanças, prover-se de  forças para a difícil aventura da vida. Mas no terreiro em festa, sob o roncar frenético dos tambores, a dança de Xangô não é tão somente demonstração de energia e de força marcial,  de cadência e de vitalidade, mas igualmente harmonia, graça e sensualidade. Xangô é duro, mas também se identifica com o bom da vida. O paladar de Xangô não dispensa jamais o prazer da boa mesa, tanto é que suas oferendas devem ser sempre servidas em grande quantidade, pois Xangô aprecia que seus súditos comam muito e bem. Seu prato predileto é o amalá, comida feita à base de quiabo, camarão, pimentas de várias qualidades, e tantos outros condimentos que são verdadeiras iguarias, utilizados pelas filhas-de-santo que muito apreciam e disputam a preparação da comida para os deuses. A comida  servida no terreiro serve também para “reunir gente”, e Xangô é o Orixá que mais as acolhe, pois toda corte é repleta de súditos e não seria diferente no terreiro, onde há sempre muita gente, muita dança e muita comida, bem de acordo com um rei. A "Fogueira de Xangô", faz parte da festa em celebração a este orixá. São duas as partes em que a cerimônia pode ser dividida: uma onde é acesa uma fogueira em homenagem a Xangô, realizada na parte externa do terreiro, e outra no barracão, onde se realizam as danças e louvações aos Orixás. E sob o comando do Alabê, são entoados os cânticos que estabelecerão a relação entre os homens e as divindades. Os cânticos de Xangô são considerados como os mais tradicionais e próximos daqueles produzidos em seu local de origem, a África Ocidental. O ‘alujá’, ritmo preferido de Xangô impera nas cerimônias. Durante a primeira fase das celebrações dedicadas a Xangô, isto é, aquelas realizadas junto à fogueira, são entoadas as rezas do "Orixá do Fogo", um dos títulos atribuídos ao antigo Alafin de Oyó. São inúmeras as rezas dedicadas a este Orixá. Na reza é saudado Aganju, o Alafin de Oyó, filho de Ajaká e sobrinho de Xangô. Iyaamassê, considerada sua mãe, é quem revela aos mortais, a pedra de raio, símbolo de seu poder, e encontrada ao pé da grande árvore. O brilho do raio e o barulho dos trovões lembram que Aganju vigia do Orun, a terra dos ancestrais, seus súditos e fiéis. O cântico permanecerá por muito tempo, e a cada vez, os vários nomes conhecidos de Xangô são entoados. Sucede a Aganju, no texto, Airá, depois Baru e outros, doze no total. As yawôs executam um bailado próprio desta cerimônia. Após a "Roda de Xangô", a cerimônia prossegue, louvando o "Orixá do Fogo", através de danças e cânticos a ele dedicados, num repertório que pode ultrapassar, segundo alguns, a mais de quatrocentas cantigas. A memória de Xangô, exerce uma função essencial na vida do povo-do-santo.    
 
Fonte: Risoma
Reginaldo Prandi
 

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