21 setembro 2018

Alunos da Emeb Carmine Botta produziram cartazes sobre preconceito religioso e sexual com dados estatísticos. Material foi colado em mural da escola e retirado por um dos parlamentares.

Trabalho escolar sobre intolerância gera polêmica com vereadores em São Carlos, SP

Por Ana Marin*, G1 São Carlos e Araraquara
19/09/2018 15h16 Atualizado há 2 dias

Um trabalho escolar sobre respeito e tolerância religiosa e sexual desenvolvido por alunos do 9º ano da Escola Municipal de Educação Básica (Emeb) Carmine Botta, em São Carlos (SP), causou polêmica entre professores e vereadores na terça-feira (18).

Após as discussões feitas em sala de aula, os alunos produziram cartazes que traziam dados estatísticos sobre os temas. O material foi colado no mural em um dos corredores da escola e chegou a ser retirado pelo vereador Leandro Guerreiro (PSB).

Polêmica

Em um dos cartazes havia um desenho, produzido em 2013 pelo chargista Carlos Latuff, de um cidadão que, em poder de um livro, simulava a agressão de duas mulheres adeptas à religião africana com a frase “sai, tolerância”.

Além disso, os alunos escreveram frases como “intolerância religiosa é crime de ódio”, “Exu não é demônio” e “somos todos iguais”.

Outro cartaz abordava o respeito com a comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (LGBT) e tinha como mensagem destacada a frase “ninguém precisa ser gay para lutar contra a homofobia”.


Cartaz sobre homofobia produzido por alunos de São Carlos (SP) — Foto: Arquivo Pessoal

Vereadores questionaram trabalho escolar

Ao ficarem sabendo, quatro vereadores foram até a escola e questionaram o objetivo da atividade. Um deles arrancou os cartazes que estavam colados na parede.

De acordo com o secretário municipal de Educação, Nino Mengatti, os vereadores alegaram que aquilo estava ferindo os princípios éticos e religiosos, porque, segundo eles, incitavam a violência contra uma religião.

"Dentro do que foi proposto, não foi contra ninguém. Um dos vereadores arrancou os cartazes de maneira fascista, não podemos permitir isso”, declarou o secretário.

'Violência'

A diretora pedagógica da Emeb, Cilmara Seneme Ruy, disse ao G1 que a ação do vereador foi uma violência no espaço escolar que tentava pregar o contrário. "Ali foi vivenciado, na prática, o que aquelas crianças e adolescentes estavam aprendendo a não fazer”, acrescentou.

Para o secretário de Educação, é dever do parlamentar visitar e fiscalizar o trabalho público, mas Mengatti condenou a conduta dos vereadores na escola.

“Faltou o respeito. Nós não estamos na época da ditadura que você invade um prédio e vai para cima da escola, escola que tem o melhor Ideb de São Carlos e profissionais respeitados”, afirmou.

Os cartazes, segundo a prefeitura, foram recolocados no mural.


O secretário de Educação de São Carlos, Nino Mengatti — Foto: Reprodução/ EPTV

Proposta

Cilmara contou que a professora fez um projeto para trabalhar na língua portuguesa a questão de respeito e tolerância para conscientizar os alunos sobre o mundo violento em que vivemos.

“A escola está aqui para isso, para promover a reflexão e o debate. Eles [vereadores] foram desrespeitosos, não por querer saber o objetivo, mas a maneira brutal de arrancar os cartazes, isso é uma questão de abuso de poder”, disse.

“Queremos mostrar que tem que existir o respeito independente das opções que se faz na vida, isso é constitucional. Nós não estamos em uma brigada fascista e moralista em que você faz o que você acha, existe o respeito constitucional”, ressaltou o secretário de Educação.



Câmara Municipal de São Carlos — Foto: Reprodução/Facebook

Vereadores

Procurado pelo G1 nesta quarta-feira (19), o vereador Lucão Fernandes (MDB) explicou que foi até a escola atender a solicitação de um munícipe e que quando chegou já estava acontecendo uma discussão. Ele alegou que prestou atenção para entender sobre o que se tratava e viu que era apenas um trabalho que conscientizava sobre preconceito.

“Esse trabalho tem que ser feito, tem que se falar sobre preconceito, a gente tem que falar em casa com nossos filhos e familiares sobre o respeito. A gente tem que conviver e amar as pessoas”, declarou.

Já o vereador Moisés Lazarine (DEM) afirmou que foi em busca do diálogo e ressaltou que a imagem divulgada no cartaz é intolerante.

“Não se combate intolerância, com outra intolerância. Fascismo existe em querer apontar uma única religião como a responsável pelo preconceito. Lamento a postura da Secretaria de Educação”, disse.

O vereador Edson Ferreira (PRB) não foi encontrado pelo G1, mas na sessão ordinária da Câmara na terça disse na tribuna que “querem empurrar goela abaixo da sociedade um ponto de vista que não demonstra respeito. Que tem que respeitar todo mundo, inclusive os evangélicos, católicos e cristãos que também estão na escola”.

Leandro Guerreiro (PSB) também não atendeu as ligações da reportagem e, na tribuna da Câmara, alegou que “arrancou os cartazes que fazem apologia LGBT e contra o cristianismo, mas não rasgou ou destruiu, tirou para que pudessem debater. Os vereadores não foram criticar os gays, foram defender os direitos das crianças e que depois da maior idade, cada um faz o que quer”.

*Sob supervisão de Fabio Rodrigues, do G1 São Carlos e Araraquara.


Fonte: https://g1.globo.com

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