A manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, ocorrida na Federação Espírita de Niterói em 15 de novembro de 1908 e a fundação, no dia seguinte, da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, na Rua Floriano Peixoto n° 30 (Neves, São Gonçalo - residência de Zélio de Moraes) constituem o marco fundador da Umbanda.
Tal fato reflete-se na vasta literatura dedicada à Umbanda, presente em livros, revistas, páginas da internet, em trabalhos acadêmicos (artigos, dissertações e teses). Observa-se também, pelo reconhecimento oficial do poder público, desde as diversas homenagens prestadas por Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas à figura de Zélio de Moraes até a promulgação por parte da Presidência da República da Lei 12.644 de 17 de maio de 2012 que institui a data de 15 de novembro como o Dia Nacional da Umbanda, a ser comemorado anualmente em todo o país (leia aqui texto na íntegra).
No dia 15 de novembro de 1908, em uma Sessão da Federação Espírita do Rio de Janeiro à qual o jovem Zélio de Moraes (na época com 17 anos) havia sido levado devido a um grave problema de saúde que os médicos não conseguiam curar, manifestou-se pela primeira vez o Caboclo das Sete Encruzilhadas.
Iniciada a Sessão, começaram a se manifestar diversos espíritos de negros escravos e indígenas nos médiuns presentes, sendo esses espíritos convidados a se retirar pelo dirigente José de Souza (Zeca) que os julgava atrasados sob o ponto de vista espiritual, cultural e moral. Foi então que o Caboclo das Sete Encruzilhadas, enviado nesta missão por Santo Agostinho, proferiu um discurso de defesa das entidades que ali estavam presentes uma vez que estavam sendo discriminadas pela diferença de cor e classe social, características dos espíritos enquanto encarnados vivendo sob os desígnios da sociedade terrena.
Os dirigentes da reunião espírita tentaram afastar o próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas, quando então este avisou que, se não havia espaço ali para manifestação dos espíritos de negros e índios considerados atrasados, seria fundado por ele mesmo, na noite seguinte, na casa de Zélio, um novo culto onde tais entidades poderiam exercer a missão da caridade. Perguntado sobre se alguém iria participar deste culto, veio a resposta: "Botarei no cume de cada montanha que circula Neves, uma trombeta tocando, anunciando a presença de uma Tenda Espírita onde o Preto e o Caboclo possam trabalhar".
Às 20 horas do dia seguinte, em 16 de novembro de 1908, em meio a uma pequena multidão de amigos, parentes, curiosos e kardecistas presentes na Sessão do dia anterior, apresentou-se novamente o Caboclo das Sete Encruzilhadas, declarando que se iniciava a partir de então um novo culto espírita no qual Pretos Velhos e Caboclos poderiam trabalhar.
Determinou que a humildade visando a prática da caridade seria a característica principal do culto; que este teria como base o Evangelho Cristão e como mestre maior Jesus; que o uniforme utilizado pelos médiuns deveria ser branco; que todos os atendimentos seriam gratuitos, fundando, então, a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, destinada a abraçar a todos os necessitados, assim como Maria abraçou o Cristo.
Seguindo as determinações do Chefe, modo como carinhosamente chamamos até hoje o Caboclo das Sete Encruzilhadas, e outras Entidades que posteriormente se apresentaram por intermédio de Zélio de Moraes, sobretudo Pai Antônio (Preto Velho) e Orixá Malet, constituiu-se o rito umbandista tal como mais de cem anos depois é ainda praticado na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, agora situada no município de Cachoeiras do Macacu, Estado do Rio de Janeiro.
Considerada a diversidade das práticas umbandistas atualmente observadas, em grande medida marcadas por diversos graus de sincretismo com outras práticas religiosas (sobretudo o candomblé), percebe-se com clareza que o ritual que ainda hoje é realizado na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade guarda a matriz originalmente estabelecida a partir da dissidência formalizada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas com relação à prática do espiritismo kardecista.
Nesse sentido, justifica-se sua designação, conforme dizia o próprio Zélio de Moraes, como espiritismo de umbanda, ou seja, uma prática fundamentada na incorporação mediúnica de Entidades, estabelecida doutrinariamente a partir das explicações emanadas pelos próprios espíritos tal qual organizado por Kardec em obras como O Evangelho segundo o Espiritismo, O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e A Gênese, com ritual diferenciado quando comparado ao realizado no âmbito das diversas Federações Espiritas Kardecistas.
Assim sendo, não são observadas práticas comuns em outras agremiações umbandistas, tais como o uso de atabaques, palmas, danças ou Sessões dirigidas por Exus. Por outro lado, durante os trabalhos são firmados no chão os Pontos Riscados com giz de pemba, velas, flores e bebidas específicas de cada uma das Linhas de trabalho, ecoando no ambiente as vozes dos presentes os Pontos Cantados: características inconfundíveis da Umbanda.
Tendo concluído a estruturação inicial da Umbanda, o Caboclo das Sete Encruzilhadas determinou a fundação de outras sete Tendas, criadas a partir do corpo mediúnico da Tenda da Piedade, e da Federação Espiritista de Umbanda, atualmente designada por União Espiritista de Umbanda do Brasil (UEUB). Assim, passaram a existir com a função de difundir os ensinamentos do Chefe, praticando a humildade e a caridade, as seguintes Tendas: (1918) Tenda Espírita Nossa Senhora da Conceição, (1927) Tenda Espírita Nossa Senhora da Guia, (1933) Tenda Espírita Santa Bárbara, (1935) Tenda Espírita São Pedro, Tenda Espírita São Jorge, Tenda Espírita São Jerônimo e (1939) Tenda Espírita Oxalá, algumas delas ainda hoje em funcionamento.
A partir da década de 1940 iniciaram-se as atividades da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade na cidade do Rio de Janeiro, passando por vários endereços (Rua Teófilo Ottoni, Rua Borja Castro e Rua Dom Gerardo foram os locais que por mais tempo a abrigaram). Curiosamente, todas as sedes anteriores, inclusive a primeira, pelas quais a Tenda da Piedade já passou foram demolidas.
Ao final da década de 1960, com o afastamento de Zélio de Moraes da direção em razão de sua idade avançada, os trabalhos da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade foram continuados conforme as determinações do Chefe e das Entidades responsáveis sob a liderança de seus descendentes diretos, primeiramente as filhas Zélia de Moraes Lacerda seguida de Zilméa Moraes da Cunha. Atualmente, a Tenda é dirigida por Lygia Maria Marinho da Cunha (neta de Zélio de Moraes, filha de Zilméa), apoiada por seus filhos (bisnetos de Zélio) Marcelo Cunha dos Santos e Leonardo Cunha dos Santos (que atualmente ocupa o cargo de Vice-Presidente da TENSP).